Foi no Nordeste, na freguesia de Santana, que nasceu Francisco Resendes, Director do jornal semanário Portuguese Times desde o ano de 2012, e que no ano passado assistiu ao 50.º aniversário desta publicação portuguesa com grande impacto na comunidade portuguesa e açoriana emigrada nos Estados Unidos da América.
Antes de emigrar rumo ao “sonho americano” em New Bedford, o que viria a acontecer em 1977, iniciaria aos dez anos de idade os estudos no Seminário Colégio do Santo Cristo, no lugar onde hoje se encontra o São Miguel Park Hotel, uma vez que a família acreditava que Francisco Resendes “daria um bom padre”.
Apesar de ter já visitado “a cidade” durante a infância, a transição de Nordeste para Ponta Delgada, que implicou a sua separação da restante família, “foi um choque e uma adaptação que custou”, tendo também em conta que passou de uma freguesia pequena e rural para começar a “estudar com alunos de várias ilhas dos Açores”.
Depois de cinco anos a estudar em Ponta Delgada, Francisco Resendes foi para o Seminário Episcopal de Angra, na ilha Terceira, no ano de 1975, o que confirmaria aquela que pensava que era a sua intenção de prosseguir para uma vida ligada ao sacerdócio devido àquilo que descreve como “a apetência de servir os outros” e como “um grande carinho pelas pessoas que têm uma vida de serviço aos outros”.
Porém, com o “despertar da juventude”, viria a perceber que não estaria disposto a abdicar de sacramentos como o matrimónio, motivo este que o levaria então a desistir do seminário, restando apenas a hipótese de se juntar aos pais e aos irmãos nos Estados Unidos da América, embora pudesse contar com o apoio fundamental dos padrinhos e da avó enquanto estava em São Miguel.
Conforme explica, a história de emigração da sua família é já antiga, iniciando com as primeiras vagas do século XX, como no caso da avó paterna que, embora tivesse nascido nos Estados Unidos foi para os Açores em 1929, aquando da Grande Depressão.
Para além dos avós, também o seu pai – o seu maior herói – acabaria por emigrar por duas ocasiões, sendo a primeira delas para o Canadá, começando por viver nos Territórios do Noroeste e, seguidamente, na Colúmbia Britânica, decisão esta que fez para que pudesse dar uma vida mais confortável aos filhos em São Miguel.
Passados alguns anos, em 1967, o pai de Francisco Resendes voltaria aos Açores com a intenção de permanecer na ilha de São Miguel “definitivamente”, mas dois anos depois voltaria a emigrar, desta vez para Massachusetts, nos Estados Unidos da América, com a mulher e com os quatro filhos, à excepção do nosso entrevistado, o mais velho destes, que iniciava então os seus estudos no seminário.
“O meu pai, aquele que considero o meu herói, foi responsável pela boa vida que tivemos nos anos 60 nos Açores porque recebíamos os dólares do Canadá e da América. Constatei pobreza na altura, nos Açores, e nós tínhamos uma vida um pouco cuidada, mas o meu pai foi daqueles que emigrou para dar um futuro melhor aos seus filhos e nós beneficiámos com isso. (…) De todos os irmãos sou o “mais português”, mas eles adoram os Açores, que visitam frequentemente, adoram a sua terra, embora já lhes diga pouco porque não são os Açores que eles deixaram”, relembra o director do Portuguese Times.
A emigração para os Estados Unidos
da América depois do seminário
Em 1977, aos 18 anos de idade, viria então a emigrar rumo aos Estados Unidos da América, e daquele dia do mês de Setembro relembra a tristeza que carregava juntamente com o passaporte e com a bagagem: “Deixar os Açores foi um dos dias mais tristes da minha vida. Outro dos dias mais tristes foi aquele em que me despedi dos meus colegas de seminário, porque realmente gostava daquilo, mas, como já referi, não queria uma vida de sacerdote nem uma vida solitária, queria uma companheira, mas despedir-me dos meus companheiros foi muito doloroso, assim como deixar os meus queridos Açores, que estão sempre no meu coração”.
À chegada, realça que não sentiu um “choque cultural”, tendo em conta que não era a sua primeira vez em solo norte-americano, que iria encontrar toda a sua família e que a língua não lhe era desconhecida devido aos estudos que tinha feito. Em acréscimo, o facto de ter sentido desde o início “os sinais da presença portuguesa” na comunidade, através das estruturas associativas e da comunicação social, por exemplo, fez com que se sentisse minimamente em casa, numa cidade que hoje terá “entre 35% a 38% de portugueses e luso-descendentes”.
No ano seguinte à sua chegada, em 1978, tendo também em conta o elevado custo da educação, Francisco Resendes optou por começar a trabalhar, o que viria a acontecer numa gráfica norte-americana. Foi também nesta altura que teve o seu primeiro contacto com o jornal Portuguese Times, onde deu também os seus primeiros passos no jornalismo comunitário que hoje tanto defende.
Ao longo destes mais de 40 anos ligados ao jornalismo, refere que a sua vida tem sido preenchida “por um contacto diário com a cultura portuguesa”, do qual se orgulha, por ser “um homem da comunicação social”, colaborando ainda hoje com diversos órgãos de comunicação social que dizem respeito à diáspora, incluindo nos Açores.
Entretanto, casou aos 22 anos de idade com uma luso-americana (“praticamente portuguesa”), união esta de onde nasceria a filha Meagan, hoje com 31 anos de idade, enfermeira de profissão e residente em Newport Beach, numa localidade a sul de Los Angeles.
Em 1996 seguiria também outra das suas grandes paixões, ao juntar-se ao grupo musical Lovestreet, no qual é responsável pelas teclas, sendo esta uma experiência que lhe permitiu “conhecer de perto a vivência comunitária lusa dos Estados Unidos da América”, tendo em conta que este foi um grupo que acabou por actuar em várias festas da comunidade nos seis estados de Nova Inglaterra. A par destes concertos, Francisco Resendes partilha os seus tempos livres com um piano de cauda que é a sua “companhia” e o seu “escape”.
Em 2012, conforme referido, assumiu a Direcção do semanário escrito em língua portuguesa. Apesar de este facto representar um acréscimo das suas responsabilidades, realça que não foi um cargo difícil de assumir, já que conhecia “os cantos da casa”, tendo também em conta todos os anos a exercer a profissão em contacto directo com a diáspora, aspecto que considera fundamental num jornalista que deseje trabalhar neste meio.
Despertar o associativismo pode
ajudar a salvar a comunicação social
Passados quase 12 anos desde que assumiu a função, Francisco Resendes defende que a palavra de ordem no momento para a imprensa é “sustentabilidade”, pois caso esta esteja em risco pode dar-se a consequência de o jornal “fechar a porta”. Assim, um dos pontos mais importantes para garantir que o Portuguese Times continua a sair para a rua dá-se através do associativismo, refere.
“O associativismo é muito importante, é onde estão muitos “portugueses made in USA”, como lhes costumo chamar. Através do folclore, do desporto ou das escolas, e aí qualquer órgão de comunicação social tem que estar ligado para manter a sobrevivência porque a próxima geração de portugueses não sabe o que é isto da saudade, porque já nasceram aqui e esta é a terra deles.
(…) Há uma grande presença portuguesa aqui, mas alguns vão saindo e há clubes e organizações que estão um pouco moribundas se não se rejuvenescerem. Esse é o grande desafio do futuro, não só da comunicação social, mas particularmente nas organizações, o associativismo tem que se rejuvenescer. Isso implica uma adaptação e implica também uma abertura daqueles que já lá estão para novas realidades”, diz, salientando também que é preciso “falar de preservar as nossas tradições mas, ao mesmo tempo, ter a retórica de que os portugueses têm que ter uma participação activa e cívica no processo político da sociedade”.
Como resultado do envelhecimento da comunidade e respectiva falta de interesse dos luso-descendentes mais jovens, dá-se também a crescente falta de leitores, ouvintes e telespectadores dedicados às mensagens transmitidas pela comunicação, outro dos problemas actuais que enfrenta a imprensa local.
Para tentar chegar à comunidade e ultrapassar este problema, o Director do Portuguese Times conta que o jornal “tem tido a preocupação em retratar a comunidade e em ser um jornal mais comunitário, dando menos relevância a coisas que outros órgãos fazem muito bem”, uma “metamorfose” que considera ter sido necessária para, de certa forma, cortar “o cordão umbilical ligado à terra” da emigração mais recente que na altura sentia a necessidade de continuar a receber as notícias sobre os Açores e Portugal, optando por se aproximar também do tecido empresarial que é fundamental para apoiar a comunicação social através da publicidade.
Os flagelos deixados pela pandemia
De momento, o jornal que dirige conta com um total de sete pessoas a trabalhar, contando com a área do secretariado, contabilidade, publicidade e redacção. Com a chegada da pandemia, os jornalistas passaram a trabalhar à distância, o que levou a que Francisco Resendes passasse a ter também a função de paginar todo o jornal.
Na sua opinião, a pandemia trouxe consigo muitos flagelos, incluindo a título pessoal, já que acabou por sentir na pele os danos colaterais da pandemia ao perder o pai devido a complicações geradas pelo vírus.
“O primeiro flagelo foi o humano, a tragédia de famílias que perderam os seus entes queridos, e eu perdi o meu pai assim também. Conheci um casal idoso, de Trás-os-Montes, que não tinha filhos e que eram a companhia um do outro. Ele faleceu, e ela faleceu duas semanas depois. Não tinham ninguém que os visitasse e isso aconteceu com várias famílias porque esta situação implica um isolamento, e assim se criou o drama humano, o principal flagelo.
Em segundo lugar, a vivência cultural e comunitária parou e isso afectou várias organizações. Bandas filarmónicas, paróquias que vivem de um contributo diário ou semanal, festas que são o balão de oxigénio para muitas organizações e para a comunicação social também, e também para este viver da cultura, o celebrar da cultura que deixou de existir. Em terceiro lugar fica o aspecto económico que levou muitas empresas à falência, sobretudo restaurantes. Conheço restaurantes que fecharam a porta em questão de meses e conheço iniciativas empresariais portuguesas que se mantiveram graças à capacidade de se reinventarem e graças à sua capacidade de resiliência”, diz.
Porém, embora considere que o mundo inteiro está ainda “mergulhado na pandemia”, resta manter a esperança “nos instrumentos que existem para podermos surfar nas ondas”, considerando que hoje há, para além das vacinas, o conhecimento científico e dos médicos que permitem manter alguma normalidade no meio do caos.
CORREIO DOS AÇORES, 16 JANEIRO DE 2022.